É de se assustar que de acordo com os dados fornecidos por um aplicativo de controle de uso do meu celular, fique registrado que numa segunda-feira de folga passei cerca de 6 horas e 48 minutos usando meu aparelho. Esse tempo, de acordo com tais dados, foi utilizado principalmente acessando redes sociais, como Twitter, Whatsapp, Instagram e TikTok. Refletindo sobre esse uso excessivo e conversando com a terapeuta ao longo de meses a preocupação é constante: passar menos tempo fora das telas, já que sou obrigada a fazer uso delas no trabalho, nos estudos e ainda assim há algo que me leve a elas também no tempo ocioso. Da minha percepção como usuária fica que todo esse acúmulo de informações que se tem em 6 horas e 48 minutos de redes sociais gera estresse, ansiedade e preocupações que perduram não apenas naquele dia, mas que são levados para momentos posteriores. É como se o tempo que seria usado para descansar numa folga não existisse, pois continuo cansada de processar informações, reagindo o tempo inteiro a esses conteúdos que ansio acompanhar, adicionando ainda o que não tenha pedido para ver, mas acaba que sou atravessada pelo movimento repetitivo de subir e descer nas postagens dessas redes.
Essa percepção de cansaço diante do excesso de informações não me é exclusiva e tem sido objeto de estudo de diferentes áreas como publicidade, marketing, economia e sociologia. As pesquisas buscam um olhar não somente para a experiência dos usuários - que muitas vezes respalda esse cansaço que sinto diante do tempo excessivo que gasto diante das telas - mas também para a produção e difusão dos conteúdos via plataformas de compartilhamento. Assim, um exercício interessante para se observar e problematizar a quantidade de dados lançados pelos usuários foi realizado por uma curadora de conteúdo, contabilizando a quantidade de conteúdos visualizados em diferentes redes no consumo de um minuto na internet. Percorrendo linhas do tempo, painéis e páginas iniciais de grandes redes sociais Beatriz Guarezi contabilizou 30 tweets, 50 stories do Instagram e de 5 a 10 vídeos no TikTok acessados no decorrer de 60 segundos.
A experiência de consumo desenfreado, porém contabilizado, possibilitou identificar como essas 6 horas e 48 minutos que consumi de internet em uma segunda de folga podem ter representado um enorme volume de informação visual, textual, sonora e audiovisual consumida no que deveria ser um dia de descanso. O estudo de Guarezi também permite perceber como o tempo on-line parece diferente da realidade e se expande num contexto, uma vez que quase sempre se pode afirmar que são raros os momentos em que passamos somente um minuto nas redes sociais. O modo como essas plataformas se atualizam constantemente, a profusão de conteúdos compartilhados minuto a minuto e o efeito quase viciante que os mecanismos de interação propõem (com compartilhamentos, likes, comentários e respostas) parecem nos transportar para um lugar onde esse minuto se torna dez, que se torna vinte e logo estamos passando cinco horas no celular, como diz a média nacional, de acordo com o relatório da plataforma AppAnnie (G1, 2022). Diante desse duplo movimento - de consumo excessivo e de profusão na criação de conteúdos - é assustador imaginar a quantidade dos nossos dados compartilhados multiplicados por cinco horas, e daí por um mês, em um ano, ou até durante a vida.
Todo esse tempo que passei no celular - e que outros usuários igualmente gastam nas plataformas - é valioso para as empresas de comunicação e tecnologia, visto que na era da informação o ditado passa a ser reformatado e no lugar de “tempo é dinheiro” podemos sugerir que “a atenção dos usuários se torna uma infindável fonte de renda”, porque em um contexto onde não pagamos para utilizar diretamente pelos aplicativos de comunicação e socialização são nossos dados que se tornam a moeda, nós nos tornamos o produto.
A cultura em rede marcada como modelo de comunicação começou com uma proposta de aproximar pessoas que estavam fisicamente longe, assim diminuía-se a falta do contato causado pela distância com o artifício do compartilhamento de recados, fotos e notícias on-line. As redes eram alimentadas com contatos pessoais e na maior parte das vezes havia uma curadoria na hora de aceitar essas solicitações de amizade para que houvesse um reconhecimento mútuo. Assim, as redes começaram consolidando relações já existentes no mundo físico, criando a possibilidade de ampliação dos modos de contato e a manutenção das relações à distância.
Um segundo modelo de relação começou a ser criado quando as redes sociais se tornaram espaços de comunidades, onde as pessoas se aproximavam por interesses em comum. No mundo contemporâneo o mercado se apropriou do recurso das redes e foi nesse processo que tudo alcançou uma outra proporção. As imagens e vídeos virais são recomendados para o grande público, assim como perfis de artistas e pessoas públicas que são mostradas como sugestão, expandindo ainda mais essa rede e fazendo com que o usuário se sinta mais próximo do seu ídolo, sua marca, seu criador de conteúdo ou seu influenciador preferidos.
Nesse modelo, onde as redes sociais não funcionam mais como espaço de contato com amigos e perfis que gostaríamos de acompanhar, mas como plataformas de recomendação - amplamente marcadas pelos mecanismos dos algoritmos - as empresas já conseguiram chegar em grande parte usuários e por várias vias, as capturando por suas redes de preferência, então o grande desafio é manter a atenção deles às telas, que intitula-se de economia da atenção. O economista, psicólogo e cientista político Herbert Alexander Simon foi o primeiro a cunhar esse termo, na intenção de explicar como a atenção passou a ser uma mercadoria depois de ser capitalizada.
Um dos mais sintomáticos sinais da atualidade é a busca mercantil pela captura e negociação dos nossos olhares. Trata-se de um verdadeiro balcão de doutrinações múltiplas, fazendo girar negócios que monetizam a alma a partir do que se vê. O olhar – e o que ele enseja e pressupõe – é a commodity essencial da economia da atenção. (MARTINUZZO; LEITE, 2021, p. 921)
O importante aqui é prender o usuário o máximo de tempo no celular e nas plataformas de comunicação e compartilhamento, a fim de estudar quais tipos de publicidades que vão despertar sua atenção propriamente, desenvolvendo uma formatação do olhar que condicione o tempo de retenção dentro das redes. Esse estudo sistemático dos perfis comportamentais subdivide os usuários em dados quantitativos, buscando seriar comportamentos de forma que a experiência pareça individualizada, mas que seja formatada dentro dos interesses dos anunciantes que financiam as redes. Assim, os usuários deixam de ser o centro da plataforma e se tornam sujeitos secundários das postagens sugeridas, efeitos algorítmicos de assimilação dos conteúdos. Ao capturar a atenção dos usuários, as empresas aumentam seus lucros através de publicidades pagas ou venda direta de produtos.
Nessa busca pela captação da atenção dos usuários e retenção dos mesmos num determinado perfil, recursos são utilizados como um “manual de instruções” para quem deseja iniciar uma carreira online, o que acabou se tornando o desejo de muitas pessoas. Cada rede social possui as suas próprias regras e requer os devidos investimentos. Segundo uma pesquisa da ComScore de 2015, os jovens de 15 anos assistem majoritariamente mais vídeos do que a faixa etária dos 55 anos, porém se concentram em vídeos muito curtos. De acordo com os mesmos estudos, cerca de 90% dos usuários perdem a atenção depois de dez segundos de vídeos.
Essa busca pelos dez segundos iniciais e a condensação da informação em vídeos de trinta segundos que viralizam no TikTok ou no YouTube Shorts faz com que as informações se condensem. Esses jovens utilizadores das redes são chamados dentro das pesquisas do campo da sociologia de geração Z, geração de pessoas nascidas entre 1995 e 2010. É importante destacar o contexto social em que esses jovens nasceram e se desenvolveram para falar de quem eles são, como por exemplo a padronização generalizada e a disseminação de um pensamento homogêneo que é decorrente da globalização. Destaca-se também o consumo das tecnologias nesse período, o que modificou repentinamente a relação desses jovens com a comunicação, o acesso à informação e a sociabilização (SILVA, 2022).
Tal contexto faz com que esses jovens busquem dinamismo, diversão constante e diversificada e por isso os vídeos curtos estão entre os mais virais nessa faixa etária, tanto como produtores quanto consumidores dessas mídias. Essa geração é a mais visada pelos aplicativos de conteúdos curtos que tiveram maior expansão durante a pandemia de COVID-19.
E a pandemia do novo coronavírus só faz multiplicar a pandemia da informacionalização, em expansão há cinco décadas. A vida nunca foi tão digital como nestes tempos. Mas não sem agravar os muitos sintomas perversos dessa alienação às “maravilhosas” máquinas calculistas e seus senhores que calculam. (MARTINUZZO; LEITE, 2021, p. 921)
Em decorrência desse novo modelo de pensar a atenção, alguns recursos foram implementados às plataformas. O recurso de aceleração chegou aos vídeos do YouTube, permitindo que o usuário acelere os vídeos para que o tempo fosse reduzido pela metade. O mesmo recurso foi implementado nos arquivos de áudio do Whatsapp e em plataformas de streaming, como a Netflix. A indústria do audiovisual se vê aqui confrontada pelo impulso dos utilizadores de colocarem as suas obras aceleradas, atrapalhando assim as fruições que são propostas, tais como recursos visuais e de áudio.
Além do mais, existe a falsa noção de que uma informação condensada e acelerada está completa, ignorando que em alguns casos onde isso é utilizado, como divulgações de processos judiciais ou casos de assassinatos que costumam viralizar na rede, uma informação incompleta pode gerar efeitos adversos de mobilização da população. É por isso que Larrosa (2002) faz uma forte crítica à sociedade contemporânea, que vem sendo marcada pela efemeridade e aceleração das informações. Para o autor (2002, p. 21), “A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência”. Essa experiência se torna prejudicada também porque a velocidade com que as coisas acontecem e a obsessão pela novidade que caracterizam o mundo moderno impedem que façamos conexões significativas entre os fatos que estão acontecendo.
A experiência, segundo Larrosa (2002, p. 21) é “O que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”, e continua (2002, p. 25) afirmando que “A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova”. Nesse caso, é possível afirmar que há experiência nesse novo modelo de atenção? Talvez seja possível apenas dizer que é nocivo o modo como estamos sendo levados a formatar o nosso olhar para um esvaziamento e uma superficialização das informações.
Não é apenas a geração Z que sofre influências do meio digital contemporâneo. Em uma experiência de visitação em uma galeria, me deparei com os reflexos dessa sociedade acelerada nas minhas próprias práticas de fruição, uma vez que me vi incomodada por um trabalho onde deveria me sentar frente a um aparelho de televisão e assistir uma mesma cena de um corpo na praia por 8 minutos. A cena era um corpo deitado na areia onde o único movimento diferente era o quebrar das ondas. Diante disso, senti falta de recursos como a barra de tempo de um vídeo, onde você pula instantes e visualizar como um todo a fim de procurar algum acontecimento ou mesmo de incorporar a minha experiência de visitação os recursos de aceleração que critiquei anteriormente. Identifico que esse incômodo é uma resposta de um processo de formatação do olhar que tenho sofrido diante do consumo de conteúdo visual, textual, sonoro e audiovisual compartilhado nessas plataformas.
Agora, se eu, que sou uma arte/educadora em formação, não consegui gerenciar as emoções e o incômodo diante do uso do tempo e da aceleração provocada pelos artefatos visuais da economia da atenção, como pensar a educação para esse novo formato? Como as redes sociais moldam a atenção e os processos de aprendizagem nos contextos educacionais? Essa economia da atenção gera uma aceleração da educação? Será que a formatação do olhar dos estudantes/usuários de redes sociais provocará mudanças nos modos de fruição das imagens em sala de aula e nos espaços expositivos?
Cabem cerca de 150 TikToks em uma aula de 55 minutos, tempo proposto pela rede de ensino da Prefeitura de Vitória. Esse dado começa a parecer extremamente desafiador para os professores diante dessa reflexão. Como educadores devem pensar suas aulas de 55 minutos hoje quando o interesse de alunos mais jovens tem sido cada vez mais condicionado para o formato de um minuto de informações fragmentadas? De forma alguma a defesa aqui é para que professores revisem suas metodologias a fim de atender ao modelo comunicacional operado nessas plataformas, o que questiono é o confronto que lida-se diante da formatação da aprendizagem diante do modelo consolidado com a economia da atenção. Nesse caso, a escola precisa traçar um caminho oposto do que os jovens são condicionados para não esvaziar os conteúdos, pensando que esses estudantes usuários de redes que estão sendo moldados pela economia da atenção estão ocupando as carteiras escolares.
Além do mais, não há tempo hábil, a remuneração necessária e os processos de formação continuada suficientes para que os professores se atualizem de tudo que os estudantes estão consumindo para que possam ainda vincular a conteúdos curriculares e se preocupar com a sua própria formação. Talvez o caminho não seja moldar o professor ao que os estudantes estão consumindo e que o profissional se torne uma espécie de criador de conteúdo, mas sim tentar criar um movimento contrário, conscientizando os estudantes sobre a qualidade do tempo que deve ser gasto com conteúdos na escola.
Necessita-se pensar o processo de aprendizagem dos alunos e as problemáticas encontradas diante dos formatos de produção audiovisual que estão sendo propagados, nesse processo o professor se vê impelido a pensar meios para captar o interesse discente, ainda que a escola tradicional trabalhe num modelo de assimilação dos conteúdos quase oposta ao formato como as redes operam. Contudo, durante as aulas remotas adotadas no período da pandemia de coronavírus ficou evidente que não seria uma tarefa fácil. Isso porque “[...] a atenção é condição fundamental para que as informações e experiências possam ser transformadas em conhecimento” (RAMOS; VIEIRA, 2020, p. 5) e durante o tempo em aulas remotas, elas geralmente eram dividida entre navegar na internet, responder mensagens, entre outras atividades. Também ficaram evidentes casos de aceleração das aulas em vídeo, onde não há tanta absorção do conteúdo pela rapidez apresentada. Assim, é papel das instituições e dos professores orientar os estudantes desde muito cedo sobre como usar as tecnologias digitais de forma mais responsável, reflexiva e eficaz.
Por outro lado, Ramos e Vieira (2020) pontuam vantagens na utilização das tecnologias para a captura dessa atenção:
No que se refere à inserção das tecnologias em sala de aula, destacaram-se a possibilidade da aprendizagem ativa e o maior envolvimento dos alunos, o aumento da motivação deles para aprender e o incremento na sua satisfação. (RAMOS; VIEIRA, 2020, p. 12)
É importante trazer essas problemáticas também para o campo da arte, em termos de tecnologia, muitos artistas contemporâneos já se utilizam dos recursos para a execução de suas obras, assim como a apropriação das redes sociais não apenas como divulgação de seus trabalhos, mas também sendo o próprio objeto. Mas trabalhos de arte possuem tempos variados de fruição, portanto devemos pensar como os museus e galerias irão lidar com esse deslocamento da atenção e quais as alternativas para que os visitantes percebam a importância da experiência. Porque o modelo que opera em prol dessa viralização de conteúdos e da economia da atenção formata o olhar dos estudantes/usuários através da repetição de imagens, da criação de trends (modelos de vídeos a serem copiados por vários usuários de uma mesma rede social) e isso configura o modo como eles se relacionam com as artes visuais, determinando as escolhas do que vão consumir.
A importância do levantamento dessas problemáticas começa por pensar em um estudante mais participativo, que está em contato com informações diversas não apenas vindas do professor mas de toda a rede que ele consome diariamente. É pensar que enquanto a economia da atenção pensa no marketing e nas vias econômicas, a instituição escolar deve pensar em educar esses estudantes ao não esvaziamento de conteúdos, tentando desmembrar configurações que foram geradas pela rede.
sobre a autora:
Ana Carolina Ribeiro Pimentel é graduada em Fotografia pela Universidade de Vila Velha e atualmente cursando Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Participa do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e Arte Contemporânea (CE/UFES) com foco na linha de processos artísticos e educativos relacionados na contemporaneidade. Bolsista PIBIC CNPq (2022-2023), com desenvolvimento do projeto "Pós-fotografia e educação: O papel da leitura de imagens na aproximação com a arte contemporânea".
referências:
G1. Brasileiros são os que passam mais tempo por dia no celular, diz levantamento. G1, 12/01/2022 15:01. Disponível em: <https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/01/12/brasileiros-sao-os-que-passam-mais-tempo-por-dia-no-celular-diz-levantamento.ghtml>. Acesso em: 30 Out. 2022.
GUAREZI, Beatriz. TEDx Talks. O Tempo, as telas e o valor da sua atenção | Beatriz Guarezi | TEDxBlumenau.YouTube, 3 Out. 2022.
MARTINUZZO, José Antonio; LEITE, J. A digitalidade, a vivência pelas telas, a economia da atenção e o mercado do olhar. Avanca Cinema Journal , v. 3, p. 921-928, 2021.
RAMOS, Daniela Karine; VIEIRA, Rui Marques. Repercussões das tecnologias digitais sobre o desempenho de atenção: em busca de evidências científicas. Revista Brasileira de Educação v. 25. 2020.
SILVA, Stéfany Pereira da. Arte contemporânea e as novas gerações: uma experiência de exposição no contexto da escola, 2022. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Artes Visuais) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2022.
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