Relato da conversação “Eu prometo! Educação como plataforma política” com Ana Carolina Pimentel, ocorrido no dia 8 de maio de 2022, por Eduarda Silva
Assistir um conteúdo visual e refletir sobre ele imediatamente tem se tornado algo cada vez mais difícil de se praticar, visto que o ritmo imposto por nossa sociedade não é um grande incentivador para tal ato. Porém, ao pensar sobre o período de isolamento social durante a pandemia da Covid-19 e o tempo depositado em um constante consumo de conteúdos digitais, um questionamento vem à tona: mesmo com ‘’tempo disponível’’, nós somos educados a observar, refletir e opinar sobre o que nos é transmitido?
Pensando nisso, Ana Carolina Pimentel trouxe para a conversação, no dia 8 de maio de 2023, um debate[1] voltado para as diferentes interpretações que estamos sujeitos a ter referente ao que assistimos a partir do nosso repertório pessoal, mas especificamente em relação a propagandas educativas que se tornaram polêmicas no ano de 2020. O encontro se iniciou com a exibição da propaganda do ENEM de 2020, sendo ela uma ferramenta para essa análise de interpretações, visto que o produto audiovisual ainda divide opiniões, seja em relação ao contexto pandêmico da época ou à desigualdade que permanece se perpetuando em nossa sociedade, fatores esses que se imbricam, sendo impossível de dissociar.
Ao assistir adolescentes expondo a importância da educação em nossas vidas, detalhes que por muitas vezes passam despercebidos foram notados e debatidos no encontro, como por exemplo: as roupas, os móveis do cenário proposto, o fato de serem em sua maioria estudantes brancos de classe média alta, com expressões de alegria sempre evidente e reforçada, além de utilizarem um discurso positivo voltado para a realização do exame nacional em meio a uma pandemia.
Imagem 1: Frame de vídeo publicado pelo MEC: Enem 2020 | Inscrições
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=apufjiGlIY0
Além dessa propaganda, outra também foi colocada em debate ao retratar novamente o contexto escolar de forma utópica e deslocada da realidade que enfrentamos em sala de aula. Salas com boa estrutura, alunos e professores completamente satisfeitos com um ensino de qualidade. Mas além disso, um incentivo à educação voltada para questões relacionadas à economia e ao empreendedorismo foram notados, sendo esses pontos soluções indicadas pelo comercial para o momento de crise econômica presente no país.
Vale ressaltar também, os estereótipos de classe expostos na propaganda a partir das diferentes práticas exercidas pelos alunos, ao observarmos alguns apenas estudando e outros ajudando no trabalho dos pais, sendo eles negros e, aparentemente, de classe social inferior. Pensando a respeito dos produtos audiovisuais e ligando ao fato desses conteúdos possuírem uma intenção política, fomos questionados sobre nosso posicionamento negativo referente a forma que a educação foi debatida, com a seguinte pergunta: Se esse não foi o discurso ideal a ser assumido pelo Governo, então qual seria?
Imagem 2: Frame de vídeo publicado pelo MEC: Educação Financeira na Escola
Pensar em soluções que não se vinculam a ideia de produtividade e meritocracia é um exercício árduo, mas não impossível de ser realizado. Sendo assim, ao pensar em propostas que poderiam ser colocadas em prática em meio ao período caótico que a pandemia trouxe para nossas vidas, a saúde e bem estar da sociedade foram os tópicos unânimes na conversação, além da consideração para as diferentes classes sociais e da falta de oportunidades e estrutura que parte da população enfrenta. Também foram considerados possíveis aspectos da recepção positiva dos comerciais por parte do outro lado da moeda: cidadãos que não enfrentam essas dificuldades e que têm pressa para realizarem seus objetivos e possuírem um futuro acadêmico de sucesso. A partir da dificuldade relacionada à elaboração de ideias que poderiam viabilizar políticas para essa população tão diversa, Ana Carolina nos incentivou a criar um discurso político, porém, utilizando palavras previamente selecionadas, chavões de falas de políticos em período de campanha, incentivando assim nossa criatividade e um olhar voltado para a ideologia que acreditamos ser a ideal para nosso país. A proposta propunha que cada um criasse um texto que convencesse os demais em uma situação hipotética, relacionando-se com o título do encontro: “Eu prometo!”.
Analisar, refletir, interpretar, propor ideias em um discurso. Essas ações não são nada fáceis sem um incentivo constante, e questionar a falta dessas ações no nosso cotidiano não foi a principal questão debatida, mas também quais práticas seriam eficientes para que elas fossem de fato realizadas, não sendo preciso atividades mirabolantes. Apenas exercitar um olhar mais demorado, mais atento e recheado de porquês é um bom começo, algo parecido como contemplar uma obra em um museu ou realizar a leitura de uma imagem da cultura visual. Dependendo da obra podemos não entender completamente o conceito idealizado, já com outras a identificação é instantânea, mas sempre observando os detalhes, o contexto que ela foi criada. Exercitar essa contemplação reflexiva em nossas escolas e círculos sociais foi uma solução considerada pelo grupo para que essa visualização mais lenta também seja voltada para os conteúdos que consumimos diariamente, com detalhes não sendo mais ignorados e com porquês cada vez mais ditos, podendo assim serem transformados em um motor para futuras mudanças que tanto almejamos.
produção
[1] O debate foi realizado a partir do texto “Arte/educação e publicidade - O poder das imagens na construção do marketing político”, que será publicado no livro “Entre escritas - Arte contemporânea, pesquisa e educação”, a ser publicado em breve.
sobre a autora:
Eduarda Silva é graduanda em Pedagogia na Universidade Federal do Espírito Santo. Além do interesse pela área pedagógica, também busca se inserir no campo da arte através do grupo Entre - Educação e Arte Contemporânea (CE/UFES), com o objetivo de conhecer caminhos que compõem a linha nada linear da arte e da educação.
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