Relato do encontro: “Não seja curioso!”, com Fábio Tremonte, realizado em 3 de agosto de 2020
O grupo de pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea se encontrou virtualmente para receber como convidado o artista plástico Fábio Tremonte, que foi convidado para partilhar sobre sua poética. O artista se define como cozinheiro pela manhã, antropólogo pela tarde e DJ pela noite, demonstrando o caráter híbrido de sua produção. Atualmente cursa o doutorado na Universidade de São Paulo, investigando sobre escolas de artistas. A nossa reunião contou com a participação do grupo e também de outras pessoas interessadas, que se juntaram a nós para a conversa com o artista.
Nós nos apresentamos e entramos no diálogo contando sobre como estava sendo viver o cenário da pandemia, com relatos pessoais que esbarraram em como é lidar com esse novo momento de explorar as opções tecnológicas para a realização de trabalhos e reuniões que antes eram presenciais. A questão do fim do mundo foi apontada como um indício do trabalho do artista, tendo sido explorada em sua poética antes mesmo da constituição do quadro pandêmico que vivenciamos.
Além de ser artista plástico, com exposições individuais como: “Paisagem #4” (2005), realizada no Paço das Artes, “Vista Para o Mar” (2006), desenvolvida no Centro Cultural de São Paulo, “Nada Mais” (2009), que ocorreu no Ateliê 397 e a mostra “Ilhas” (2010), exposta no MARP, Fábio já atuou como educador em instituições culturais e professor em escolas de educação básica. Nesse campo da educação, o artista explora questões que adentram o pensar a sociedade, a política e a história, tópicos esses que fazem parte do projeto “Escola da Floresta”.
O projeto da Escola da Floresta, criado em 2016, foi inicialmente desenvolvido para ser uma escola nômade (que ocorreria em lugares diferentes) e experimental, com atividades artístico-pedagógicas. As próprias reuniões desenvolvidas em grupo configuram-se como ações artísticas, por exemplo a obra Escola da Floresta [conversas de junho] | Encontro com Sofia Olascoaga (2016) e Escola da Floresta [conversa com pedras] (2018). Na Escola da Floresta a relação dos participantes se baseia na troca; já que ela “[...] não possui uma sede fixa, não tem paredes, cadeiras, mesas ou projetores, não tem refeitório nem banheiros, professores nem alunos, provas nem conteúdo programado. Em se tratando de forma, inclusive, ela é mutante. Ela borra as linhas distintivas entre autoridade e liberdade, entre escola e processo artístico, entre artista e educador, entre aluno e professor. A ausência de uma forma física, ou de um programa permanente implica, em alguma medida, em uma desobediência”, teceu Kamilla Nunes (apud TREMONTE, 2019, p. 80).
Justamente pelo caráter experimental, nas diferentes edições da Escola da Floresta são vivenciadas novas formas do aprender, do fazer arte e do saber, que podem contar com conhecimentos populares do passado, como uma forma de divulgar esses de maneira horizontalizada. Os encontros são pautados em questões que perpassam temas referentes a América Latina, como história, arte e política, considerando também como um jeito de manter vivo e repassar adiante as tradições, os conhecimentos e as ancestralidades dos diferentes grupos, ressignificando a sujeição do poder em relação aos processos de educação em arte.
Cabe ressaltar que os povos latinos americanos sofreram com a chegada (invasão) dos europeus, desde a tentativa de destruição de suas culturas no processo de colonização, até a destruição em massa desses grupos, que em grande parte foram eliminados. Então, essa partilha cultural nas reuniões da Escola da Floresta é importante para manter presente a memória desses povos, rediscutindo as questões em ações propositivas e políticas.
Nesse sentido, enxergo esse tipo de ação de importância na sociedade em que vivemos, acredito que o exercício de compartilhar questões históricas e saberes não convencionais de estudar nas escolas tradicionais atuam como uma forma de expandir a noção sobre mundo e cultura. Além disso, entendo como dar palavra para questões que compõem o histórico da América Latina, mas que foram apagadas ao longo dos anos. Assim, os encontros da Escola da Floresta podem ser entendidos também como uma forma de estudar as resistências e lutas dos povos.
Ademais, um ponto interessante é que dentro das características da Escola da Floresta está a não existência de professores, alunos, ou uma sala de aula específica com projetores ou quadros, o que contribui para a noção de horizontalidade em que não existe uma figura central detentora de todos os conhecimentos e que transmitiria seu saber aos alunos.
Os encontros não têm um formato específico, podem ser passeios, filmes, contar histórias, ler, conversar e produzir arte também. “Os encontros podem se configurar de diferentes maneiras, como viagens, passeios, caminhadas, culinária, projeção de filmes, contação de histórias, leituras de textos, produções gráficas, conversas e, também, através de colaboração de coletivos e/ou outras pessoas que sintam-se impulsionados em estabelecer relações com os projetos desenvolvidos e a propor outras possibilidades” (TREMONTE, 2019, p. 81).
Esse formato é diferente, não é o que se vê de mais comum nas escolas, mas as práticas como o estudo a partir de filmes, conversas, histórias, textos e passeios são maneiras diferentes de trabalhar com a educação e arte que podem ser estendidos para contextos da educação formal também, de modo a ampliar o repertório de possibilidades do estudo e do fazer artístico.
sobre a autora:
Clara Pitanga Rocha é graduanda na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente faz parte do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES), com o objetivo de estudar os caminhos e as relações entre arte contemporânea e educação.
referências:
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