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leitura de imagens na educação infantil

Este relato é uma reflexão posterior à disciplina de de estágio supervisionado do ensino de Artes Visuais I, ministrada pela doutora Maria Angélica Vago Soares, uma disciplina obrigatória do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo, onde os alunos agregam conhecimentos teóricos e práticos acerca das salas de aula e da prática docente em turmas de escolas públicas do ensino infantil e fundamental. Meu objetivo com o texto é mostrar como os estudos do grupo de pesquisa e da iniciação científica reverberaram na prática do estágio. Aqui estão contadas as experiências vivenciadas na primeira parte desta disciplina (ensino infantil) juntamente com Stéfanie Fraga no CMEI Marlene Orlandi Simonetti localizado no bairro República em Vitória.

As visitas foram iniciadas no dia 4 de outubro de 2022 e todo o processo contava com cinco terças-feiras, finalizando no dia 1 de novembro de 2022. A professora responsável por nos acompanhar nesse processo foi Liza de Faria Tancredi, que nos recebia no período da manhã, em duas turmas do grupo 5, onde havia crianças entre 4 e 5 anos.


À primeira impressão, a escola possuía uma ótima infraestrutura geral e uma sala de arte, que tinha uma variedade de materiais artísticos, um televisor, mesas bem dispostas. Seu espaço era arejado e dispunha de um ambiente agradável e amplo para desenvolver as mais diversas atividades. A turma pequena de nove crianças era calma e dispunha de muita atenção e organização para o desenvolvimento das atividades propostas pela professora Liza, que variava entre práticas com o corpo e atividades de pintura, massinha ou desenho.


A professora Liza estava trabalhando com a turma na construção de murais de pintura, uma releitura de obras importantes da Semana de Arte Moderna que unia personagens presentes em obras desses artistas e os incorporava à paisagem de pontos turísticos da cidade de Vitória. Ao começarmos o estágio notamos que as crianças estavam familiarizadas com os nomes e as obras de Tarsila do Amaral e outros nomes que se destacaram nesse período. Também estavam familiarizadas com termos relacionados às artes visuais, como técnica, abstração, movimento, entre outros.


No decorrer das aulas fomos notando que a presença imagética era muito forte, fosse nas obras que as crianças visualizavam nas aulas, em suas próprias casas ou no televisor da escola quando viam filmes. As referências visuais feitas por eles eram constantes e eu notava ser um ponto importante de seu cotidiano, identificando então um ponto de intersecção entre a prática escolar e as pesquisas desenvolvidas por mim durante o período de iniciação científica junto a conhecimentos agregados em atividades do grupo de pesquisa.




Venho pesquisando sobre esse mundo contemporâneo onde a produção de imagens se tornou tão massiva que, segundo Giselle Beiguelmann (2021), no ano de 2021 a quantidade de imagens produzidas em dois minutos era superior à soma de toda a produção dos 150 anos anteriores. Chamamos então esse período de mundo-imagem, onde as tecnologias, a internet, as redes sociais e os serviços de streaming criaram uma linguagem própria e receberam grande adesão das pessoas, da mídia e da publicidade impulsionadora do consumo. É importante refletir sobre esse aspecto porque somos não apenas consumidores de imagens, mas também produtores.


Parte das minhas reflexões durante as atividades da pesquisa reverberam na importância de se estudar as imagens, considerando que a linguagem visual esteja sendo trabalhada como conteúdo propriamente dito, já que a escola está inserida nesse mundo visual e por isso não pode se separar dele. Dentro da escola existem indivíduos que também são produtores/consumidores de imagens, independente de classe social ou faixa etária. As crianças da educação infantil não estão isolados disso, elas têm seus próprios produtos e também estabelecem relações e linguagem referentes aos produtos que consomem.


Capacitar os indivíduos a adquirir um alfabetismo crítico em relação à publicidade e a outras formas de cultura popular significa favorecer competências emancipatórias que possibilitem que os indivíduos resistam à manipulação por parte do capitalismo de consumo. Além disso, também nos fornece habilidades que nos capacitam a ler as tendências atuais na sociedade e a observar as mudanças que são importantes. (KELLNER, 1991, p. 122)


A proposta da disciplina de estágio era que nós criássemos uma aula para ser trabalhada com as turmas seguindo conhecimentos agregados durante nossa graduação, nossas formações complementares e também os textos lidos e discutidos durante as aulas teóricas com a professora Angélica. Optamos por trabalhar a leitura de imagens e desenvolver um conceito de Robert Ott (1999) chamado Image Watching para exercitar o olhar das crianças, não apenas as obras que elas estavam trabalhando na disciplina da escola, mas também outras imagens que lhe passavam durante seu cotidiano. A importância de se trabalhar as imagens desde cedo é um tema recorrente na minha pesquisa, já que, segundo Acaso e Megías (2017), a grande influência das imagens sobre as pessoas é decorrente da falta do olhar crítico sobre elas, reconhecendo seus discursos e poder de persuasão.


O conceito de Ott consiste em fazer os alunos se envolverem na experiência de observar intensamente obras de arte, por um tempo mais longo e de maneira mais atenta, por se tratar de uma abordagem que fornece conceitos para a crítica voltada à produção artística, operando nas relações existentes entre o modo crítico e o criativo de aprender em arte/educação.


A proposta era usar três obras dentro do contexto da Semana de 22, porque era o assunto que estavam trabalhando antes de iniciarmos os trabalhos com aturma. A escolha das obras levou em consideração a prática da professora de Arte que se dispôs a trabalhar com releituras de obras modernas para comemorar os cem anos da Semana de Arte Moderna. A ideia era que mesmo com obras de arte moderna pudéssemos relacionar com esse mundo-imagem e trazer reflexões mais contemporâneas. Selecionamos então: Carnaval (1965), de Di Cavalcanti; Grande Fachada Festiva (1950), de Alfredo Volpi e Festa Junina (2009), de Militão dos Santos.






Essas obras foram fixadas à parede e como proposição inicial, os convidamos a ficar por cerca de dez segundos ou mais apenas olhando cada uma das imagens.. Por mais que fosse difícil para crianças de cinco anos manter a atenção em uma única obra, tentamos exercitar sua observação guiando para alguns pontos, provocando-os com questões que os convidavam.


Para além de gosto pessoal, foram feitas algumas perguntas para as crianças enquanto as obras eram observadas, como “o que essa cena representa?”, “quais foram as cores utilizadas?”, “quem são os personagens presentes nas cenas”?, “vocês reconhecem o que está na imagem?”, entre outras. Tentamos fazê-las reconhecer os elementos culturais retratados, as cores das pessoas, as suas vestimentas e se elas sabiam do que se tratava. A maioria das crianças reconheceu as festas retratadas nas obras e identificou que representavam manifestações culturais brasileiras.


Essas perguntas foram sendo conduzidas a partir da proposição de Ott, uma vez que a metodologia Image Watching passa por cinco passos da leitura de uma obra de arte:


Descrevendo: Pedimos às crianças que observassem a obra estudada antes de se envolverem com alguma outra forma adicional de observação. Em outras palavras, “descrevendo” possibilita que a arte fale primeiro para o indivíduo. Nesse momento tentamos manter as crianças em silêncio e atenção frente às obras que foram fixadas na parede. Pedimos que olhassem cada detalhe, mas percebemos que apenas isso não seria o suficiente já que estavam bem agitadas. Começamos então uma abordagem de passar os dedos pelas obras, guiando o olhar deles por onde passávamos.


O interessante desta parte é que dez segundos para cada pareceu tempo demais. Essa observação me levou a uma parte das minhas pesquisas, em que refleti um pouco sobre como as redes sociais e o modelo atual de viralização de vídeos muito curtos têm formatado o olhar das pessoas para uma espécie de economia da atenção e as crianças não estão de fora desse modelo, já que reproduzem comportamentos dos responsáveis com quem convivem e também são possíveis utilizadoras de celulares e tablets em suas casas.


Passado o período de observação da obra que teve o percalço da atenção, pedimos que descrevessem tudo que estavam vendo em cada uma das imagens e as respostas foram: festa, dança, quadrilha, janelas, bandeiras, pessoas, animais, casal, entre outras. Também perguntamos sobre as cores predominantes e as respostas foram azul, vermelho, amarelo, branco e preto. Também responderam que era noite na terceira obra (Festa Junina) e que haviam animais presentes (cachorro, galinha, boi e cavalo). Além dessa descrição, pelo tempo dedicado à descrição conseguiram também reconhecer as igrejas e a presença de pessoas negras.


• Analisando: É a segunda categoria e proporciona dados para investigar intrinsecamente a obra de arte, a maneira como foi executada, o que foi percebido. Foi perguntado nesse momento se as crianças sabiam do que essa obra foi feita, muitas responderam desenho ou pintura, o que deu a impressão de estarem bem familiarizadas com essas práticas, pelo que pudemos perceber pela abordagem da professora. Tentamos juntamente com ela explicar o que era “abstrato” para perguntar se eles achavam que as obras eram abstratas, e a resposta diante do entendimento da explicação foi que não eram, já que dava para reconhecer todos os elementos presentes.


A professora fechou os dedos em uma parte da obra, fazendo um recorte e perguntando se aquilo era abstrato, e a resposta foi que sim, segundo eles não dava mais para reconhecer do que se tratava aquele recorte.



Interpretando: Essa parte fornece dados para as respostas pessoais e sensoriais dos alunos que participam da crítica. Essa categoria permite que se expresse como se sente a respeito da obra de arte. Assim, perguntamos de qual obra mais gostaram e porquê.


A maioria das crianças teve preferências de gosto movida pela utilização das cores, visto que as obras mais coloridas receberam mais atenção. Outros preferiram pela presença dos animais, como percebemos a partir da obra de Militão dos Santos. Perguntamos como eles se sentiam vendo as imagens e a maioria respondeu que se sentiam felizes, com vontade de dançar ou brincar.


Fundamentando: Essa é uma área na qual a ação dos alunos de interpretar obras de arte é baseada em um conhecimento adicional disponível no campo da História da Arte ou em alguma crítica que tenha sido escrita ou dita a respeito da obra. Tentamos nesse momento relembrar o que a professora havia trabalhado anteriormente, explicando não apenas as características visuais das obras de arte moderna mas a importância para o campo da História da Arte. Como as crianças são muito enérgicas e estavam de pé e agitadas, era sempre difícil tentar dar explicações longas sem perder sua atenção, então tentamos ser bem breves e repassar com eles para ver se haviam fixado o conteúdo.


A fundamentação nesse caso esteve presente pelos elementos da identidade nacional que eram demarcados e construídos durante o modernismo e que estiveram presentes desde o projeto inicial da professora, até nossa escolha pelas obras apresentadas.


Revelando: Todas as categorias no sistema de crítica Image Watching culminam na categoria “revelando”, na qual é proporcionada aos alunos a oportunidade de revelar seu conhecimento a respeito de arte por meio de um ato de expressão artística. A partir da leitura dessas obras e do que havíamos discutido, pedimos que escolhessem um dos elementos (cor, forma ou temática) e produzissem um desenho com tinta guache ou uma escultura em massinha.


A continuação da prática seguiu o modelo que estávamos acostumados a observar nas aulas da professora Liza, que trabalhava muito com desenho e pintura com as crianças. A professora garantiu que a atenção das crianças mudava muito rápido e que era difícil mantê-los em uma só atividade por muito tempo. Por isso propusemos que o exercício fosse uma pintura com guache em papel sulfite ou a produção tridimensional em massinha, as quais já estavam acostumados e se sentiam animados em fazer, a partir da observação das obras anteriores.


Para essa etapa “relevando” tentamos deixar claro que não precisavam copiar as obras, que podiam fazer o que queriam, mas a maioria dos alunos virou sua cadeira para frente das imagens fixadas na parede. A familiaridade das crianças com os materiais ficou clara porque a partir do momento em que entraram na sala de artes e viram os pincéis, tintas e massinhas em cima das mesas, já se agitaram e animaram com a possibilidade de trabalho prático. Por causa disso, não deixamos os materiais nas mesas com a segunda turma, o que não deu a ideia prévia do que iríamos fazer a seguir e garantiu uma maior concentração.


A observação das obras deixou uma marca gráfica nos trabalhos que foram apresentados ao final da prática. Como perguntamos individualmente qual era a obra favorita das crianças, notamos que seus trabalhos finais se assemelhavam com as favoritas em termos de cores, formatos ou composição com as que eles citaram. Ao observar os projetos finais era possível reconhecer imediatamente de qual obra eles vieram, mesmo sendo uma poética individual de cada criança.




Momento de observação das obras.



Fazendo a análise das obras e iniciando as pinturas.



Resultado das pinturas realizadas pelas crianças.




Ao final do processo de leitura e produção das imagens, foi possível perceber que a resposta das crianças dos dois grupos (A e B) foi muito positiva para as análises das imagens. Eles viram detalhes importantes que lhes chamavam a atenção, reconheciam as cenas e também faziam ligações com as obras da Tarsila do Amaral que já tinham sido estudadas com a professora anteriormente. Foi possível perceber que essas crianças já tinham referências imagéticas em suas próprias casas ou nas produções visuais que consumiam por meio da TV ou dos tablets e celulares, já que durante as aulas que precederam nossa prática do estágio notamos nos seus discursos, a forma como interagiam com os outros contando de vídeos do youtube (em destaque citando o canal de Lucas Neto, youtuber que produz conteúdo infantil). Também percebemos durante as semanas de estágio, a maneira como estavam familiarizados com dancinhas do TikTok ou filmes que a própria professora os colocava para assistir.


Notamos que depois de analisar as obras mais profundamente e com bastante tempo disponível, as crianças se lembravam mais dos detalhes e focavam em pequenos pontos que não podiam ser percebidos caso as obras fossem lidas rapidamente. A todo momento eles nos chamavam para acrescentar algum detalhe ou recorriam de novo às obras na parede para olhar novamente algum aspecto.



Alinhar a prática da sala de aula vivida no estágio com meus estudos enquanto pesquisadora foi muito importante por se tratar de uma linha que quero seguir na própria prática docente. Essas reflexões são relevantes porque, segundo Letícia Gonçalves Rosa (2022, p. 18) “são os indivíduos em idade escolar, enquanto principais frequentadores das redes, os que mais estão expostos à influência imagética”.


Portanto, pensar em uma formação alinhada ao papel da educação defendido por Paulo Freire (1996), que é o de contribuir para que os sujeitos sejam capazes de desvelar e adotar uma postura crítica perante a sociedade, também precisa envolver a formação do olhar perante as imagens, sendo que isso não deve ser limitado apenas como responsabilidade do professor de Arte, mas de todos os educadores que inevitavelmente têm sua prática atrelada a imagens, seja nos livros didáticos ou nos recursos que escolhem levar para sala de aula.


Também reiteramos nossas pesquisas em torno da importância da reflexão acerca do mundo contemporâneo e do mundo-imagem, que não é de responsabilidade apenas do professor de artes visuais o compromisso com a alfabetização visual e que esse conteúdo deve ser trabalhado com o contexto que os alunos estão inseridos, os aproximando de suas realidades. Caso houvesse mais tempo, essa aula poderia se desdobrar em várias aulas, trabalhando mais atentamente cada um dos pontos apresentados. Embora para as crianças um tempo de uma aula de cinquenta minutos pareça muito, precisaria de mais alguns encontros para trabalhar atentamente com a quantidade de conteúdos relacionados a cultura visual e o mundo-imagem.



sobre a autora:

Ana Carolina Ribeiro Pimentel é graduada em Fotografia pela Universidade de Vila Velha e atualmente cursando Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Participa do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e Arte Contemporânea (CE/UFES) com foco na linha de processos artísticos e educativos relacionados na contemporaneidade. Bolsista PIBIC CNPq (2022-2023), com desenvolvimento do projeto "Pós-fotografia e educação: O papel da leitura de imagens na aproximação com a arte contemporânea".



referências:

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasília: 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/.

KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: Em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula: Uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2011.

OTT, Robert Willian. Ensinando Crítica nos Museus in BARBOSA, Ana Mae (org). Arte–Educação: leitura no Subsolo. São Paulo: Cortez, 1999.

ROSA, Letícia Gonçalves. Alfabetização do olhar: educação emancipatória em uma cultura imagética, 2022. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Artes Visuais) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2022.

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