impermanência
- julia rocha
- 13 de out. de 2021
- 4 min de leitura
Exposição ocorrida na Casa Porto das Artes Plásticas, em Vitória, entre 31 de julho e 8 de agosto de 2021
Fotografia como registro, como tempo e como memória, mas de um registro que se desfaz, de um tempo que se desmaterializa e de uma memória que se apaga. Bruno Zorzal pensa a fotografia não somente pela linguagem em si, mas pela apropriação de imagens preexistentes, pela coleção de fotografias de arquivos públicos ou particulares. A partir dessa coleção de imagens o artista realiza reimpressões ou novos registros, tensionando as proporções químicas do processo de revelação e propondo o apagamento e a criação de outras imagens. Nesse processo de novas impressões realizadas com técnicas do século XIX, trabalha com negativos e com “fotografias de fotografias”, discutindo a permanência dessas como documento por meio da promoção de apagamentos premeditados.
Ao pensar a “fotografia da fotografia”, como o artista e a curadora da exposição, Ananda Carvalho, mencionam, se propõe outra captação da imagem, que já não discorre somente sobre os assuntos retratados, adicionando à leitura o olhar para a própria linguagem fotográfica como poética. Em diálogo com trabalhos anteriores do artista, na produção que foi exposta na Casa Porto das Artes Plásticas, algumas das imagens estavam desaparecendo, deixando de apresentar variações tonais que nos permitiam visualizar as figuras retratadas, para deixar como resultado apenas papel, químicos reagentes e a memória de uma presença que já não se identificava.

Bruno Zorzal - Sem título #11 (2021)
Na poética do artista o retorno às imagens não ocorre motivado pela estética ou se limita ao que está retratado, mas se impulsiona por uma política das imagens, pela construção delas como instrumento para refletir sobre as relações de poder. O exercício de se apropriar de fotografias preexistentes dialoga com o excesso de imagens a que somos submetidos cotidianamente, pela interferência das tecnologias, da publicidade e do próprio campo da arte. Pensando que o estatuto da imagem como verdade tem sido questionado, seja pela manipulação e edição delas, seja pela propagação de falsas notícias, a produção de Zorzal nos provoca a pensar nos modos de produção e consumo imagéticos.
A fotografia como memória e registro documental de um fato passa a ser questionada pela iminência do desaparecimento e pela autoria já não identificada, uma vez que parte dos materiais dos quais o artista se apropria vêm de arquivos públicos ou feiras de usados. Essa perspectiva também dialoga com a forma como consumimos parte das imagens mediadas pela tecnologia ou pelas redes sociais, que a cada turno de um dia desaparecem pela transitoriedade dos stories ou pelo imediatismo do registro das ações cotidianas.

Bruno Zorzal - Sem título #6 (2018-2021)
O projeto da exposição Impermanência se iniciou em 2019, antes mesmo do período de fechamento das instituições e isolamento social, promovendo uma formação de mediadores. Parte das ações previstas com o projeto foram modificadas com o desenvolvimento da pandemia, mas um material educativo foi lançado, visando reverberar as discussões do trabalho do artista para processos educativos e trabalhando os conceitos de apropriação, impermanência, narrativa e anonimato.
Em diálogo com a própria ideia de impermanência do título e da proposta curatorial, o projeto expográfico trouxe desdobramentos de outras produções do artista, presentes nos vestígios de exposições anteriores. Na primeira sala vemos a remontagem de uma obra produzida com resquícios de outra, que foi exposta em 2017, no Museu de Arte do Espírito Santo - MAES, quando houve uma ocupação do edifício em reforma. À época, Ruína (2017-2021) foi feita a partir de lascas das camadas de tinta das paredes que tiveram imagens reveladas, com retratos que foram lentamente desaparecendo ao longo dos anos.


Bruno Zorzal - Ruína (2017-2021)
Da mesma forma, a (im)permanência da imagem se fez presente pelo ato de revisitar outro fragmento, dessa vez da instalação Ruína (Caos Mundo) (2019-2021), exibida na exposição Tríade, realizada no Museu Vale, em 2019-2020. Uma parte da instalação foi também retirada da exposição, agora habitando uma das paredes da Casa Porto, demarcando os vestígios da produção do artista que ressoam em diferentes montagens do seu trabalho.

Bruno Zorzal - Ruína (Caos Mundo) (2019-2021)
Considerando a fragilidade das impressões criadas com técnicas do século XIX, a expografia também levou em consideração o elemento de instabilidade da imagem fixada, trabalhando com fotografias suspensas ou sustentadas por estruturas frágeis, dialogando com as próprias imagens do artista. A forma de expor reforçou o caráter instável que as próprias fotografias representam, demarcando para o visitante a ideia de algo transitório, permeável e findável.

Bruno Zorzal - Vista da exposição Impermanência (2021)
A montagem da luz no espaço da Casa Porto também se diferenciava do comumente encontrado nos espaços expositivos ou na própria instituição, porque nesse caso a incidência de luz poderia representar a aceleração da perda dos elementos tonais que compunham as imagens. Na distribuição da focos de luz pontuais incidindo sobre os trabalhos, o processo de visitação no espaço implicava um desacelerar que correspondia ao ato de mudança das imagens. Nesse percurso de visitação, não somente as fotografias lentamente desapareciam no decorrer das semanas em que a mostra esteve aberta, como também os públicos eram provocados a pensar sobre o esvaziamento e a perda da informação que os diferentes suportes supunham pensar.
Exposição Impermanência
Casa Porto das Artes Plásticas - Vitória/ES - 31 de julho e 8 de agosto de 2021
Bruno Zorzal
Curadoria: Ananda Carvalho
Produção e design: Estúdio Monomotor
Realizada via Edital de Ocupação financiado pelo Fundo Municipal de Cultura
sobre a autora:
Julia Rocha é professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Artes Visuais e Educação do Espírito Santo - NAVEES e do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES). Doutora em Educação Artística pela Universidade do Porto, Mestre em Artes e Educação pela Universidade Estadual Paulista e Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Realiza pesquisa sobre o ensino da arte na contemporaneidade, mediação cultural, relações entre museus e escolas, avaliação de propostas educativas no campo das artes visuais e formação de professores.
referência:
Plataforma de Curadoria. Conversa sobre Impermanência, com Bruno Zorzal e Ananda Carvalho. Youtube, 2 de setembro de 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QwBlHHGHlQc>. Acesso em: 28 Set. 2021.
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