Uma das perspectivas contemporâneas do ensino da arte se propõe a partir do questionamento da linearidade enganosamente evolutiva da cronologia das produções artísticas. No lugar de um trabalho que proponha um caminho linear, que percorre a produção artística narrada pelos livros de história da arte, propõe-se que o planejamento dos professores: transpasse variados contextos, relacionando-os e confrontando-os entre si; atravesse diferentes tempos, evidenciando os encontros e fricções entre produções de outros períodos e investigue múltiplos autores, demarcando como as respostas para perguntas semelhantes podem ser complexas e variadas.
A recriação de uma linha do tempo que não seja unidirecional e evolutiva possibilita um olhar ampliado para a produção de outros tempos, além de evidenciar que as produções artísticas e imagéticas se reconfiguram a partir das leituras produzidas de maneira contextual. Assim, no lugar de uma aprendizagem voltada para a compreensão de datas e de períodos, identificam-se questões pertinentes ao momento e aos sujeitos que o compuseram, possibilitando perceber conexões com o tempo presente e desenvolver analogias anacrônicas que ressignifiquem as imagens. Ao mudar esse ponto de vista de uma aprendizagem voltada para os dados e assumir a leitura das imagens como foco central, entende-se que o ensino da arte é menos um conjunto de dados históricos, publicado nos livros e apresentado em múltiplas fontes digitais, e mais uma leitura individualizada e investigativa dos aspectos que compõem o meio artístico.
Por isso propomos o descronológico, um exercício onde sugerimos a relação entre dois tempos, a partir de conexões e desconexões entre uma obra contemporânea e uma obra de algum outro período da história da arte. Na edição de hoje conectamos Mapa de Imola, 1502, de Leonardo da Vinci, com Modelo geométrico de planos mutáveis, 2021, de Marina Camargo.
Na arte contemporânea temos diferentes artistas pensando a territorialidade, o deslocamento e questões que tangenciam o campo da geografia, mas isso não é exclusivo da produção artística atual. Leonardo da Vinci, por exemplo, tem uma série de mapas que impressionam pelo acuro técnico, mesmo tendo sido produzidos muito antes dos aparatos digitais que temos hoje. Conectando seu trabalho com o de Marina Camargo podemos estabelecer pontos em comum.
Em Modelo geométrico de planos mutáveis Marina Camargo cria uma escultura esférica formada pelo cruzamento de dois planisférios. O formato da peça remonta ao modelo geográfico do globo terrestre, recriando a composição a qual estamos habituados. Em Leonardo da Vinci temos o mapa da cidade de Imola, na Itália, produzido em desenho, a partir de estudos da distribuição territorial da cidade.
O fato de termos uma obra bidimensional e outra tridimensional demonstra como a temática da territorialidade pode ser trabalhada em diferentes suportes. Mesmo no campo da geografia e da cartografia temos essa diferenciação já presente. explorando mais da produção dos dois artistas pode-se encontrar outras obras sobre a temática que exploram a dimensionalidade de forma diferente das apresentadas nas imagens escolhidas, com desenho e escultura.
Outra desconexão está no propósito na criação dos mapas, diferente para os dois artistas. No desenho de Leonardo da Vinci o objetivo era efetivamente mapear a cidade italiana, dando a possibilidade de utilização funcional da imagem. já na peça de Marina Camargo a representação fidedigna cartográfica não está em jogo. Pelo contrário, passa a ser questionada, uma vez que os continentes misturam-se e fundem-se na intersecção dos planisférios.
Partimos desse ponto, mas e você: que outras conexões e desconexões identifica entre as duas obras?
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