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metodologias de primeira pessoa na mediação em arte

Aline Kauana Cezar e Jacinta Griebeler


Nosso relato de experiências é construído a partir de ações educativas e vivências na Galeria de Arte Loide Schwambach, na Fundação Municipal de Artes (FUNDARTE), localizada no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul. A FUNDARTE é uma instituição municipal de arte-educação não formal e sem fins lucrativos, que atende aproximadamente mil alunos mensais, ofertando cursos nas linguagens artísticas: dança, música, teatro e artes visuais.


Fazemos parte da Rede de Mediadores, uma parceria entre a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e FUNDARTE, que procura incorporar estudantes de licenciaturas em artes no espaço expositivo contribuindo no processo formativo. Desde então, encontramo-nos para aprender sobre mediação e tecer relações entre as diferentes áreas de estudo e pesquisa: uma estudante de artes visuais e a outra de dança, ambas linguagens artísticas sendo entrelaçadas às exposições de arte contemporânea.


A partilha a seguir apresenta metodologias e práticas desenvolvidas para a galeria de arte entre os anos de 2019 e 2021, relatando o processo criativo, percepções e reflexões das ações educativas nas mediações presenciais, remotas e híbridas.


Uso de notas adesivas (“post-it”) para enlaces em exposição:


Durante o Salão de arte 10x10 organizado pela FUNDARTE em 2019, após algumas semanas iniciais realizando mediações com públicos diversos, notamos a brevidade com que os trabalhos expostos recebiam atenção. Após apresentação inicial da mediadora e fala sobre o espaço expositivo, convidamos visitantes para olhar as obras, atividade que durava poucos minutos considerando o grande número de trabalhos em exibição e devido ao seu formato 10x10 cm. Embora o espaço da galeria seja considerado pequeno, eram 33 convites a miradas, em um percurso realizado em pouco tempo.


Essa observação das obras culminou na proposição de entregar notas adesivas (post-it) aos visitantes e convidá-los a interagir com os trabalhos em exposição. Após o primeiro caminho pela galeria, era sugerido que pela segunda vez realizasse o trajeto, agora com post-its e algum riscante e após isso, que se escrevesse ou desenhasse algo conectado com o que se estava observando. Era um convite aberto às escritas, ao desenho, às colagens ou o que coubesse naquele pequeno formato de papel, que também fazia convite a criatividade, aproximações como questiona Martins (2014, p. 15): “mediação cultural não é aproximar o outro da arte?”.


O que cabe na mediação 10x10? (2019) Fonte: Foto das autoras


A ação resultou em atividades com interações significativas. Deslocando o público novamente pela galeria, produziram-se debates, deflagrando pensamentos visuais e criticidade e ampliando a percepção do espaço. Guardamos em nosso acervo pessoal das memórias, envolvendo o que consideramos como mediação - esse encontro entre pessoas, criações, artistas e público - quando envolve e mobiliza todos os participantes de forma não passiva e meramente contemplativa, sobretudo tratando-se de arte contemporânea, como analisa Acaso (2021, s/p) “[...] a arte contemporânea está muito voltada para o estranhamento, para fazer as pessoas pensarem e questionarem o que se passa em seu redor”. Nesse processo identificamos estranhamentos relatados em alguns post-its colocados junto aos trabalhos expostos, além da curiosidade e das tentativas investigando o que artistas tinham enviado para um concurso de arte e seus recursos criativos para comunicar o pensamento através da materialidade. Destaque também para a intervenção junto ao espaço expositivo, através das constantes dúvidas como “pode mesmo colar o papel junto com os trabalhos na galeria?”, que foi o questionamento que mais escutamos dos visitantes.


Convites à (des)aprender juntas


Além de reuniões preparatórias para mediar, a rede de mediadores se tornou um grupo de estudos. Debatemos sobre como mediar, sem tornar os encontros um momento onde só uma das partes fala, explica, detém o conhecimento e na comunicação unilateral e verticalizada, tal qual exemplifica Rancière (2002, p. 23): "é o explicador que tem necessidade do incapaz, e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal. Explicar uma coisa a alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só". Parece que tememos ocasiões na presença do silêncio, do não comunicar, como se decantar o que se vê não fosse mais possível em um tempo de falas rápidas e processamentos instantâneos.


Outro ponto de análise é o foco temporal da galeria de arte, voltada à arte contemporânea. Nossos desafios na receptividade do público e o contato com as poéticas visuais contemporâneas sempre nos provocou inquietações. Os post-its além de aproximações com as composições, tornaram-se disparadores para aberturas de conversas sobre os conceitos presentes nas obras, surgindo interlocuções e conexões relevantes, extravasando as pensadas por artistas em suas pesquisas e poéticas. "Proposições que se ligam a ação do diálogo, da conversa, que pressupõem a escuta, o espaço do silêncio, a aproximação cuidadosa e sensível com o outro" (MARTINS, 2014, p. 259).


Convites para puxar assuntos!


Mediar no Salão 10x10 proporcionou muitos encontros. Destacamos especialmente a interação com a obra do artista Alexandre Nadal, “Fakecina - contra as fake news são só duas gotinhas!”, 2019. O objeto possuía 10x10 cm, mas caiu literalmente como gotas na contemporaneidade. Trata-se de uma imaginária vacina para combater as notícias falsas que circulam, as chamadas “fake news”. Além do objeto artístico, o artista concebeu um universo paralelo para divulgar seu tensionamento. “Dona Ruthita Laboratórios”, responsável pela distribuição da fakecina, enviou para a galeria amostras para a conversa com o público, onde foi recomendado usar a vacina nos visitantes. Assim, a mediação tornou-se performática, com vacinação, manipulação da embalagem e leitura da bula. Não sabemos se Dona Ruthita Laboratórios tem a dimensão da potente interação gerada, mas em nome da mediação agradecemos. A experiência corporal, com outras formas de circular pelos espaços expositivos a partir desses disparadores, torna-se marcante e imensurável. Criava-se, de fato, um espaço inventivo para tratar questões cotidianas através de dispositivos que viriam a ser educativos, algo que nós graduandas em licenciatura temos entusiasmo.


Outro ponto onde encontramos potência didática na obra de Nadal, que tornou-se ainda mais significativa ao tirar a tradicional exigência de não interagir, não manusear, dentro do espaço reservado à arte que parece sempre pedir passividade contemplativa, encontramos com confluência em Larrosa (2011, p.8): “o sujeito da experiência é como um território de passagem, como uma superfície de sensibilidade em que algo passa (...) ao passar por mim ou em mim, deixa uma vestígio”.


vacinaAÇÃO” (2019) Fonte: acervo das autoras



Só entro no jogo!


Se quem pensar não der o seu corpo, o que pensará?” (LLANSOL, 2005, p. 19)


A partir da proposta de interação com os trabalhos pelos post-its, o interesse desdobrou-se em descobrir como essas palavras poderiam provocar encontros, fossem eles pelas ideias escritas ou pelo corpo, em um esbarrão. Fizemos o seguinte: com as linhas nas mãos, a proposição pedia para ligar os pontos em comum, traçando um mapa entre as imagens. O que estávamos tentando era retirar aquilo que de alguma forma interagia com a nossa linguagem: atividade chamada por Deleuze de “desterritorializar”, tirar o conceito daquele território e colocar em outro. Dessa forma criavam-se novas possibilidades de leitura. Uma ação simples, mas que ofereceu um meio para que o sujeito acessasse e descrevesse a própria experiência, o que chamaremos de reflexão-em-ação.


Metodologias de primeira pessoa são um exemplo do que Schön (1987) se refere como reflexão-em-ação. Este conceito, utilizado nas artes cênicas e na dança, fala sobre a atenção a si mesmo, um corpo-ação-percepção. É um convite à investigação da experiência, “[...] a partir da atenção que o sujeito porta sobre si próprio, sobre isso que ele pode acessar de sua experiência ou a posteriori (retrospectivamente). Ela pressupõe a relação do sujeito consigo mesmo em função de uma atenção a si” (VASCONCELOS, 2009, p. 12). Nesse sentido, as ações desenvolvidas pela rede poderiam ser descritas no jogo da palavra com a intenção de que, de alguma forma, se (des)educasse o corpo, saindo do automático, do roteiro cronometrado do espaço expositivo, permitindo-se esbarrar em questões, dúvidas e sensações.

gestos de escrita” (2019) Fonte: acervo das autoras


Memórias alinhavadas


A exposição {Re}costurando o Feminino (2019), das artistas Anna Rosa e Leila Groth Ibarra, contava com a produção de obras híbridas, elaboradas a partir de diferentes linguagens artísticas, como gravuras, fotografia, desenho, costura, bordado e crochê.


É 2017 e estou voltando para casa lendo Memórias Alinhavadas, do costureiro gaúcho Rui Spohr (1929 - 2019), quando entro na exposição e essa memória que me acompanha, as minhas e as de Rui, enquanto Anna e Leila compartilham a suas. É neste momento que a rede se constitui, re-aprende e se fortalece. Minhas colegas também tecem seus significados e aos poucos vão descobrindo que não cabem mais neles. Mediar também é isto: perceber a si mesmo, ser o corpo-entre-corpos, deixar-se cair na teia de significados e saber que é nessa teia-galeria que se constrói a experiência em arte, mas não só.


Logo, a primeira função é estar sensível e com o corpo desperto. Para isso, em uma das ações provocamos o público a observar as obras a partir de um espelho, modificando a percepção do seu próprio corpo e, por isso, modificando a percepção do espaço da galeria. "O dedo pode começar o espaço", diz Gonçalo M. Tavares na poesia “Recordar o óbvio”, Livro da Dança (2018). Poesia-teoria que é transdisciplinar e que não só pode como deve ser explorada no ato de mediar. A resposta ao pedido foi imediata: primeiro percebe-se o estranhamento, depois algumas risadas, para então uma aproximação do lugar de investigação. Percebe-se o processo no corpo, como um motor de carro antigo em dia frio, esquentando e aumentando o consumo de energia até o deslocamento.

“espelhos” (2019) Fonte: acervo das autoras


A galeria como experiência do lugar (mas não um lugar fixo)


Com a chegada da pandemia e as atividades remotas sendo pensadas, tivemos mais desafios para pensarmos como rede de mediação. Contemplado com o prêmio “descentrarte” pela FUNARTE, o projeto rede de mediadores voltou-se para articular estratégias de como atingir o público de forma remota. Centrado em dois princípios, o projeto premiado teve como o primeiro princípio o fortalecimento e o incentivo à formação e à atuação das integrantes do Projeto rede de mediadores, com a intenção de estimular a presença e estreitar a relação entre o público e as exposições de arte realizadas na galeria. O segundo era a ampliação do alcance do público escolar na realização de mediações na Galeria de Arte Loide Schwambach, visando o atendimento de estudantes nas exposições.


As ações desenvolvidas durante o período tinham como prioridade a manutenção do contato com a experiência em arte. Como podemos aproximar a Galeria de Arte Loide Schwambach dos alunos da rede municipal de Montenegro? Dos alunos que estão dentro da escola e também estão em distanciamento? A partir disso, construímos uma série de ações que também poderiam ser chamadas de leituras. Outras leituras.


Criamos uma fanzine informativa da galeria, apresentamos um pouco do que já havia acontecido, apresentando a artista Loide Schwambach que dá nome ao espaço e até então também oferecia oficinas no espaço da FUNDARTE, relembrando sua importância histórica para a cidade e moradores. Para que na edição 2 do fanzine pudéssemos explorar cada trabalho exposto com uma ação educativa específica. Manusear os fanzines, experimentar o corpo no espaço de casa, mapear os passos, recolher objetos, tudo se fez convite para entrar no jogo, porque o espaço já estava estabelecido, fosse ele imagético com o uso da planta baixa da galeria ou da memória ou em formato de instruções poéticas. O material visava também a comunicação remota com as professoras da rede municipal de ensino, parceiras do projeto em execução.


Apropriação do Instagram como ocupação em/com mediação.


O uso da rede social Instagram foi essencial no período de mediações remotas. Apropriar-se de uma rede para comunicação com as escolas, parceiros e devolutivas foi muito relevante. Para além dos acervos de proposições, o uso das ferramentas, dos recursos (como os filtros do aplicativo, por exemplo) gerou engajamento e respiros em tempos de muitas incertezas.


Os registros das mediações, assim como este relato, constituem rastros, vestígios das relações entre diferentes linguagens artísticas na composição das mediações, que tem como início a natureza do contato e da relação. Podemos pensar também na criação das ações como práticas tradutórias, como se a galeria fosse um cenário em que os aspectos da cultura, o trânsito e as passagens se deixassem representar, e os textos produzidos - verbais, sonoros, visuais, impressos ou não - figurariam, de certa maneira, traduções, não propriamente da galeria ou das exposições, mas da própria prática tradutória e experiência.


Revisitar os momentos vividos nas mediações ou em suas preparações para a escrita é organizar interferências múltiplas. Lembramo-nos dos nossos medos como mediadoras em lançar algo que fosse visto como impróprio para espaços expositivos. E recordamo-nos de exercícios elaborados e brincados, porque sim, galeria de arte também é um local divertido, que convida, que acolhe, assim como o artista Antoni Muntadas (2002) e seu leitmotiv “Atenção! Percepção requer envolvimento”, em consenso, em mediação também precisamos de envolvimento, engajamento, compartilhamento.



referências:

ACASO, Maria. Investigadora defende pensamento artístico para democratizar a arte. Observador - Lisboa, online, 2021. Disponível em < https://observador.pt/2021/04/27/investigadora-defende-pensamento-artistico-para-democratizar-a-arte/> Acesso em 20 de julho de 2022.

Haesbaert e Glauco Bruce, R. (2009). A Desterritorialização na Obra de Deleuze e Guattari. GEOgraphia, 4(7), 7-22. https://doi.org/10.22409/GEOgraphia2002.v4i7.a13419

LARROSA, J. (2011). EXPERIÊNCIA E ALTERIDADE EM EDUCAÇÃO. Reflexão E Ação, 19(2), 04-27. https://doi.org/10.17058/rea.v19i2.2444

LLANSOL, Maria Gabriela. Amigo e Amiga: curso de silêncio de 2004. Lisboa: Assírio e Alvim, 2005. Apud.

MARTINS, M. C. Mediações culturais e contaminações estéticas. Revista GEARTE, [S. l.], v. 1, n. 3, 2014. DOI: 10.22456/2357-9854.52575. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/gearte/article/view/52575. Acesso em: 20 de julho de 2022.

MARTINS, Miriam Celeste. ENTRES: A INFORMAÇÃO, A MEDIAÇÃO E OS DESEJOS DE OUTROS. I Simpósio internacional de educação em museus. Museu das Ciências Naturais PUC- MG. p.10-27, 2014. Disponível < https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio-rimc-2014/conferencia_entreS_mirian-celeste-martins_I-simposio-internacional_RIMC.pdf> Acesso em: 10 de julho de 2022.

RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

SCHON, Donald .A. Educating the Reflective Practitioner: Toward a New Design for Teaching and Learning in the Professions. John Wiley & Sons, 1987.

VASCONCELOS, Christian Sade. Atenção a si: da auto-observação à auto-produção. Tese de doutorado em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.




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