Uma das perspectivas contemporâneas do ensino da arte se propõe a partir do questionamento da linearidade enganosamente evolutiva da cronologia das produções artísticas. No lugar de um trabalho que proponha um caminho linear, que percorre a produção artística narrada pelos livros de história da arte, propõe-se que o planejamento dos professores: transpasse variados contextos, relacionando-os e confrontando-os entre si; atravesse diferentes tempos, evidenciando os encontros e fricções entre produções de outros períodos e investigue múltiplos autores, demarcando como as respostas para perguntas semelhantes podem ser complexas e variadas.
A recriação de uma linha do tempo que não seja unidirecional e evolutiva possibilita um olhar ampliado para a produção de outros tempos, além de evidenciar que as produções artísticas e imagéticas se reconfiguram a partir das leituras produzidas de maneira contextual. Assim, no lugar de uma aprendizagem voltada para a compreensão de datas e de períodos, identificam-se questões pertinentes ao momento e aos sujeitos que o compuseram, possibilitando perceber conexões com o tempo presente e desenvolver analogias anacrônicas que ressignifiquem as imagens. Ao mudar esse ponto de vista de uma aprendizagem voltada para os dados e assumir a leitura das imagens como foco central, entende-se que o ensino da arte é menos um conjunto de dados históricos, publicado nos livros e apresentado em múltiplas fontes digitais, e mais uma leitura individualizada e investigativa dos aspectos que compõem o meio artístico.
Por isso propomos o descronológico, um exercício onde sugerimos a relação entre dois tempos, a partir de conexões e desconexões entre uma obra contemporânea e uma obra de algum outro período da história da arte. Na edição de hoje conectamos uma Vertumnus, de 1591, do artista Giuseppe Arcimboldo, com Veggieanatomy, 2011, de Klaus Weber.
A ironia não é uma característica exclusiva da arte contemporânea. Pelo contrário, esteve presente em diferentes momentos da história! por vezes utilizada para disfarçar a discussão de temas controversos, por vezes adotada para contornar os limites do campo da arte ou das encomendas de mecenas. Ela é uma das características que atravessa duas obras: de Klaus Weber e Giuseppi Arcimboldo.
As conexões entre os trabalhos podem se iniciar pela ironia, mas se estreitam quando pensamos nos elementos que as compõem: alimentos. Weber construiu um modelo anatômico que revela parte do torso, onde os órgãos internos são representados por vegetais: o intestino são batatas, o coração uma erva-doce, os pulmões são abobrinhas. Já em Vertumnus, a pintura retrata bochechas feitas de maçãs e pálpebras de vagens, além de frutas que formam o cabelo.
Assim, uma primeira diferenciação pode ser apontada pela linguagem das obras: uma pintura, no caso de Arcimboldo, tendo a representação dos elementos feita com óleo sobre tela, outra de uma escultura, feita com um produto à base de gesso composta com alimentos in natura. Essa característica gera uma diferenciação também no modo de conservação das obras, uma vez que a proposta de Weber coloca em questão também o processo de decomposição desse corpo.
Em sua obra, Weber ilustra a máxima "você é o que você come", utilizando o humor para propor uma discussão política envolvendo meio ambiente e alimentação. Já Vertumnus remete ao deus romano das estações, mudanças e crescimento das plantas. Foi pensado por Arcimboldo como uma metáfora para a bonança do imperador Rudolf II, do Sacro Império Romano-Germânico. Ao trazê-lo como um deus romano em versão composta de alimentos, Arcimboldo demonstra o equilíbrio e a harmonia com a natureza que aquele reinado representava.
Partimos desse ponto, mas e você: que outras conexões e desconexões identifica entre as duas obras?
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